Para quem não sabe, sou revisora de textos, e hoje é o meu dia! Se professores, advogados, médicos e outros profissionais têm os seus dias para comemorar, porque nós, revisores, também não podemos ter?
Desde a época da faculdade, sonhava em ser revisora de textos, e hoje sou realizada profissionalmente graças a misericórdia do Senhor.
Somos mais de 8.000 profissionais espalhados pelo Brasil. Se este número é pequeno, não sei. O que importa mesmo é comemorar mais um ano de leituras, e mais leituras, e mais leituras...
Nesta data tão especial para mim, somente com um texto que descreve a minha profissão, não é?
Quem mexeu no meu texto?!
“Tal como o goleiro no futebol, o revisor, na editora, é aquele que evita o pior (o gol adversário, o erro de digitação, a escorregada gramatical, a incoerência que ninguém percebeu etc.).
No entanto, é também o revisor quem mais sofre com as derrotas de um texto. Ele é o último homem (ou a última mulher) a ler o livro antes da fase de impressão gráfica, quando não há retorno…
Monteiro Lobato dizia que a tarefa do revisor era das mais ingratas. Que o erro ou a falha se escondiam durante o processo de confecção do livro para, depois de tudo pronto, aparecer na primeira página aberta, como um saci danado, pulando, debochando do revisor.
O revisor é um caçador de distrações. Uma de suas maiores alegrias (em que há uma pitada de vaidade) é encontrar deslizes do autor, perceber as gralhas que ninguém viu antes, corrigir detalhes que iam passar despercebidos.
O revisor revisa com amor.
O revisor sai de manhã, caneta em punho, em busca de verbos mal conjugados e vírgulas fugitivas.
O revisor revisa com dor.
O revisor chega em casa, à noite, com o coração cheio de parágrafos amputados e tópicos frasais remendados.
O revisor revisa com ardor.
O revisor enfrenta moinhos de vento que de fato moem o vento de palavras que o vento não leva.
Madrugadas insones, manhãs e tardes quentes, noites chuvosas, o revisor vai pulando as linhas e entrelinhas do texto em busca das ciladas armadas sabe Deus por quem.
O revisor entrega o seu trabalho bem suado e abençoado. Recebe as moedas de prata que são, na verdade, moedas de ouro. Recolhe seus instrumentos de caça, enxuga o rosto, sorri. Sabendo que o autor poderá reclamar de suas intervenções, que poderá referir-se ao revisor, gritando: quem mexeu no meu texto?!
O mérito da frase perfeita é do autor.
O crime do erro cometido será do revisor.
O revisor, porém, não se considera um injustiçado. O revisor vitimista abandonou a profissão no primeiro dia. O verdadeiro revisor, como o goleiro no futebol, sabe que nasceu para ficar ali, na pior posição de todas, para agarrar centenas de bolas difíceis e, talvez, deixar passar a mais fácil de todas.
Oços do ofíssio.”
Gabriel Perissé, escritor.